A identidade no vinte de setembro

A identidade no vinte de setembro

Colunista- Everton Villa

Foi aos vinte do segundo, não, desculpem o engano! Foi no vinte de setembro que o Rio Grande nasceria, as contrações sentidas eram extremamente fortes e dolorosas.

De fato nesse período o Brasil passava por um processo de construção de uma nação políticoadministrativa, branca e conservadora. Dom Pedro I abdicaria do trono e Dom Pedro II ainda não tinha idade suficiente para assumir. Dessa maneira o país estaria sob regência de políticos, todos da dirigente elite brasileira e as revoltas provinciais por conta dos mandos e desmandos desses políticos seriam constantes.

O Rio Grande sofria com o descaso, Fernandes Braga, então presidente da província rio-grandense, era um aliado do império, embora várias discussões e tentativas frustradas por maior autonomia da província, seu estopim se deu por conta do preço do charque. Foi quase uma revolta tributária.
O charque aqui era taxado em 25%, enquanto o charque uruguaio, em função de concessões
políticas do Brasil com esse país, era taxado em apenas 4%.

Indubitavelmente a Revolução Farroupilha foi uma revolta de elite, de grandes produtores e
latifundiários, aliás quase todas as revoltas no Brasil foram elitistas, a sociedade brasileira foi
forjada sob movimentos políticos administrativos de composição altamente conservadora, submetendo grupos regionais e minorias às condutas políticas centralizadoras dessa frente poderosa.

É louvável que os gaúchos rememorem o vinte de setembro, afinal foi quando o país conheceu
verdadeiramente os anseios desse povo. Curioso é que a capital do Estado sempre esteve contra a
revolução, apoiando as forças imperiais, tanto que Bento Gonçalves sitia Porto Alegre por 3 anos e funda a República Rio-Grandense na cidade de Piratini.

Também não foi uma revolução com aspirações libertárias, ou com intuitos de igualdade e
amenização das disparidades sociais. Não! Os negros lutavam por uma possível alforria que jamais conseguiram. O massacre de Porongos atesta isso. Foram cruelmente assassinados pelas tropas imperiais enquanto seus comandantes assinavam a paz. Inclusive alguns relatos históricos falam que David Canabarro, comandante desses soldados, conhecidos como lanceiros negros, estava ciente do ataque e não poderia fazer nada para impedi-lo, pois segundo o acordo de paz, o Tratado do Poncho Verde, seria impossível alforriar esses soldados, uma vez que libertos poderiam gerar uma insurreição em todo o Brasil e desmanchar um sistema de enriquecimento altamente lucrativo, do qual sem ele, naquele momento, o Brasil estaria reduzido ao pó.

Foi um extermínio. Os negros que restaram, retornaram aos seus donos, para os açoites e castigos.
O alto comando farroupilha, que de farrapos nada tinha, foi incorporado às tropas imperiais. O charque uruguaio foi taxado e todos foram anistiados, aliás, anistia é um regalo para políticos criminosos, ricos e comandantes do alto escalão das forças armadas neste país.

Embora as circunstâncias dessa revolução tenham apenas servido aos ricos, e não há novidade alguma nisso, para o gaúcho, o pampeano, ela foi interessante. Esse ser livre, que vivia em cima do seu cavalo, embaixo do seu chapéu e dentro de sua camisa, recuperou a identidade que o arame farpado lhe tirou quando esses latifundiários cercaram a pampa e lhe transformaram num peão, sem o cavalo, lógico. No entanto, o gaúcho voltaria a ser um libertário, ainda índio, ainda ibérico,
mouro e beduíno, um mestiço “doble-chapa”, essencialmente. Voltaria a olhar a pampa, ainda
verde, mesmo que cercada por arames farpados e com os dias contados, mas estaria boleando a
perna no lombo do pingo, tirando seu sustento das pradarias que tinha no olhar, parando rodeios com gritos de “sapucay”, e o grande escritor argentino Jorge Luis Borges diria:
“Ser Gaúcho é um destino”!