Coluna Políticas Públicas e Sociais: Histórias curtas: Cronologia

Everton Villa- Colunista, Historiador

Histórias curtas: Cronologia

O relacionamento acabou, assim e pronto, está posto! Eram meados de 1980,
o melhor momento da sua vida, ainda tinha juventude de sobra pra gastar. A
esposa acabara repentinamente, ela teve um caso, e desse caso uma paixão
rompante nasceu.

Os olhos verdes que nunca em trinta e poucos anos demonstraram qualquer
sinal emocional, agora lacrimejavam compulsoriamente e a água salgada do
choro escorria-lhe pelo rosto, rolava até o pescoço e só parava na gola da
camisa, que por sinal, foi presente dela.

De repente se viu nos bares, sem emprego, sem casa, sem destino,
maltrapilho, sujo. De repente se viu nas vitrines das lojas, barba larga e a fome.
A mesma fome que assola crianças na África ou em qualquer parte do mundo.
A mesma fome que ele via antes no jornal, enquanto tomava um tinto e
fumava um cigarro. Se deparou com a violência das pessoas que gozam
quando ouvem os gritos dos sacrificados e se deleitam tão somente em ver a
pele marcada para subjugarem e inflarem egos edificantes.

Se teve filhos, já não lembrava. Qual nada, não lembrava mais nem o dia da
semana. Se teve cobertores também não lembrava, o frio é vivo para quem
vive nele, te acompanha em todos os becos e esquinas, gela os ossos e te põe
louco. Vivia sozinho, ou às vezes acompanhado de alguma mulher, também
maltratada pelas circunstâncias e juntos, compartilhavam uma garrafa de pinga
e a vida miserável que lhes foi ofertada. Foi convidado para o programa do
Abujamra. Um diálogo seguiu:

-Você acha que as coisas vão melhorar?
-Não!
-Você acha que não vai sair da rua?
-Não!
Ninguém vai te ajudar a sair dessa? Nem governo, nem família, nem amigos,
nem estranhos, ninguém?
-Não, ninguém. Ninguém me vê! (sorriso melancólico)
-Você chora?
-Às vezes.
-De que?
-De raiva!

Os mesmos olhos ainda verdes e brilhantes, novamente tornavam a derramar
lágrimas salgadas, mas agora elas escorriam por seu rosto velho, marcado do
tempo pelas rugas e paravam na barba grande e branca. Definitivamente Já
não eram mais os anos 80.