Coluna Políticas Públicas e Sociais: Os filhos enquanto propriedade e valoração

Colunista e Historiador- Everton Villa ( Vevi )

Os filhos enquanto propriedade e valoração

“Nestas oportunidades que reflito se escolhi a profissão certa. São muitas desgraças para absorver.” Assim foi o desabafo do delegado Ulisses Gabriel, após solucionar o caso do corpo de uma menina de 3 anos de idade, assassinada pela mãe e o padrasto, em Indaial, no Vale do Itajaí em SC.

Isabelle de Freitas deve ter sido uma criança feliz. Uma menina ativa, esperta, cheia de vida e que certamente aos três anos de idade já nutria sonhos de uma vida adulta, afinal toda criança embala sua infância sob uma ótica muito positiva, ainda que imaginária, de ser um adulto responsável, dedicado, questionador, construtor de sua própria história, ter uma identidade, um perfil inspirador.

No caso de Isabelle, ela talvez sonhasse em ser uma jogadora de futebol, uma nova Marta, quem sabe. Ou uma veterinária absolutamente disposta a dedicar parte significativa de seu tempo em salvar vidas e em conscientizar as pessoas sobre os benefícios da adoção de algum animalzinho e de não abandoná-los, são tempos difíceis para os animais, estão jogados nas ruas (nossa cidade é um exemplo do abandono, basta ver o número alarmante de cães abandonados aqui), talvez Isabelle pudesse ser a imagem da mudança e de uma nova consciência.

No entanto, a vida de Isabelle foi dramaticamente interrompida. Ela foi morta de tanto apanhar, (como me dói e revolta escrever isso), e de tanto apanhar por quem mais deveria amá-la, sua mãe e seu pai – nesse caso padrasto – mas o amor não faz distinções biológicas. Espancar alguém até a morte é abominável, mas espancar uma filha, alguém que você colocou no mundo, definitivamente não há palavras para tentar entender.

Busco leituras diárias para compreender as necessidades humanas e tentar ser uma pessoa melhor, porém quando essas coisas acontecem, muitas perguntas ficam sem resposta. Como o ser humano pode cometer essas atrocidades? Seria desumano ou humano demais? Jean-Jacques Rousseau disse que o ser humano nasce bom, mas a sociedade o corrompe. Está certo, olhando sob essa ótica, quem corrompeu a sociedade, sendo que o ser humano nasce bom?

Extremamente cansado, finalizo refletindo a respeito do pensamento de Nietzche. Ele argumenta que a humanidade, ao contrário do que se crê, não representa uma evolução para melhor, para algo mais forte ou elevado. O progresso é simplesmente uma ideia moderna, ou seja, uma ideia falsa.
Ainda sob essa perspectiva de humanidade, os pais fazem dos filhos, involuntariamente, algo semelhante a eles, a isso denominam educação, nenhuma mãe duvida, do fundo do coração que ao ter seu filho pariu uma propriedade; nenhum pai discute o direito de submeter o filho aos seus conceitos e valorações. É verdadeiramente pesado. De toda maneira, essas ideias de “propriedade e valoração” enquanto sujeitos práticos de uma possível educação, devem ser questionados, pois certamente fazem parte desse enredo cruel e que aparentemente apenas um animal é capaz de tal barbárie, o ser humano.