Coluna Políticas Públicas e Sociais: Clichês inéditos

Colunista Everton Villa-Historiador

Clichês inéditos

Os governos brasileiros trazem incrustados em suas entranhas e de fato não conseguem se livrar desse mal que abomina a política no Brasil: as demandas de distribuição de cargos.

Desde o golpe militar da Proclamação da República – sei da resistência de muitas pessoas quando falo “golpe”- mas definitivamente foi, o Brasil implode, cai a monarquia parlamentarista do Império e nasce a República presidencialista, sob a tutela do Marechal Deodoro da Fonseca, esse seria apenas um dos tantos que o Brasil viria a sofrer ao longo de sua magnífica e surreal democracia elitista e branca. Infelizmente sempre fomos vítimas das mazelas golpistas, sempre fomos castrados dos proveitos angariados desta dita democracia, falo das minorias, obviamente, negros, mulheres, trabalhadores semianalfabetos, sempre sujeitos às paulatinas, excessivas e
forçosas cargas de trabalho, seja por domínios patriarcais no caso das mulheres ou na marra no caso dos negros e trabalhadores, portanto, se isso não o atinge de nenhuma forma, respeitoso/a leitor/a, é porque você é branco/a, ou rico/a, ou as duas coisas.

Aprendemos sempre a respeitar um país profundamente ligado ao sistema escravocrático, passamos por um processo de eugenia nas primeiras décadas dos anos 1900 (uma espécia de embranquecimento da população e limpeza das cidades, onde pessoas negras e pobres foram para áreas periféricas), e acabamos conformados, negligenciamos esses períodos históricos que são parte indissociável da nossa formação social, econômica e cultural em vez de nos debruçarmos e estudarmos uma maneira efetiva de repararmos esses danos.

O governo do presidente Lula, apoiado sempre por essas minorias esquecidas e que alicerçaram, foram e são bases de todos os seus projetos de governos, tem a chance de começar a mudar um pouco essa história, mas Lula não demostra esse interesse, sobretudo na formação do STF e da PGR com as indicações de Flávio Dino e Paulo Gonel para ocupar as vagas de Rosa Weber/STF e Augusto Aras/PGR. Apenas uma mulher na composição, nenhuma mulher negra para um cargo de extrema relevância como é o Supremo Tribunal Federal ou a PGR. Nenhuma jurista competente para assumir essas vagas, será? Me recuso a aceitar. Lula inclusive pautou sua campanha com discursos de mudanças nesses cargos e tem sim muitas mulheres e negros em seus ministérios. O problema aqui é o STF, uma suprema corte sem representantes das classes que não sejam dominantes, sem diversidade de gênero, sem debates necessários e urgentes, portanto
entendemos que certos assuntos não terão força para sair das gavetas. Gonel é um ultraconservador, defendeu ditaduras e é contra cotas, um típico reacionário. Em geral esses cargos são feitos por indicações do presidente – certamente devem ser aprovados por unanimidade – mas o presidente tem a opção de indicar, contudo acaba flertando com a politicalha, cede aos caprichos do jogo político tal qual fizeram outros tantos presidentes na
história do Brasil República.

No caso de Lula é um pouco mais complicado, afinal a esquerda é militante a muito tempo desses movimentos por direitos iguais, justiça social e equilíbrio nas demandas por cargos ministeriais, porém na esteira do presidente esse tipo de política parece ter ficado para trás. Ao que parece,
Lula está preparando terreno para solidificar seu governo entre as bases e ajustar a governabilidade, esquece, o presidente, de todos os discursos inflamados onde atacou adversários quando estes também procuravam atender seus interesses fazendo alianças espúrias. Alijar do âmbito político aqueles que lutam pela democracia livre de conspurcações é retroceder.

Destinar cargos para subsidiar a governabilidade é corroborar com o conservadorismo patriarcal incessante nesse país. A soberania democrática parte desse viés, o presidente deve saber, mas fechou os olhos a contento de velhos caprichos, tornando-se também, Lula, um simples subalterno do poder.