O bicentenário da independência e seu viés patriótico conflitante
Mais uma vez chegamos no mês de setembro. Mês das auroras e dos feitos epopeicos gauchescos como bem gostam de gabarem-se os gaúchos. Confesso que eu também acho incrível esse contos escritos aos montes em livros e revistas, no entanto a história é um pouco diferente daquela entonada pelo povo gaúcho(cheia de heroísmo e grandiloquência), mas isso não tem tanta relevância agora.
É intrínseco sim, falarmos desse setembro por ser o bicentenário do Brasil. São 200 anos de independência brasileira, de nação livre, embora essa liberdade esteja restrita ainda nos dias de hoje e muito bem encapada com o estofo de uma sociedade forjada na escravidão.
Talvez ninguém tenha te contado algo assim na escola, por uma série de motivos, que vão de uma sociedade conservadora até regimes e regras escolares que devem ser respeitadas, porém o Brasil é uma nação originária, num primeiro momento, do conhecimento e do trabalho dos povos indígenas oriundos daqui, deste chão. Em seguida, de um processo econômico fortíssimo, o tráfico de pessoas afrodescendentes, promovendo mão de obra barata, condições de trabalho desumanas e uma eterna subserviência ainda vista como essencial para a elite brasileira nesta
degradante atualidade e, não menos importante, as altas quantias de dinheiro, enriquecendo a colônia e a coroa portuguesa.
Resumidamente assim começamos a forjar o nosso país, perceba como a intolerância está nas raízes da nossa formação e nunca conseguimos ou melhor, jamais tentamos extirpá-las de nossas entranhas, sempre estivemos comprometidos com a desmoralização do ser humano. Você pode discordar da minha reflexão, mas procure entender, essa questão nunca foi superada, pior, ela virou debate de políticos, virou programas eleitoreiros de governos, enfim… Quero dizer que o debate não é cabível numa situação tão somente indiscutível, não existem argumentos para defender a barbárie da escravidão. Faltou esclarecimentos, faltou verdade naquilo que é fato,
faltou interesse. Agora discutimos a vala comum, um debate violento de classes e lugares numa sociedade sempre desprotegida pelo Estado, um debate debochado, pois não há sentido a discussão do imprescindível, do necessário.
Chegamos no mês setembrino e comemoramos o amor pela nossa Pátria, mesmo não sabendo o real sentido que deveria ter essa valorização e todo esse sentimentalismo.
No 7 de setembro comemoramos o grito, aclamamos a Quinta da Boa Vista, uma mansão doada à família real portuguesa por um senhor traficante de escravos, o grito ainda é ouvido, todavia é um grito de socorro, um grito sem voz ecoando insistentemente nesse país, é o grito dos sem pátria, velado e deitado, não em berço esplêndido e sim, no chão frio de qualquer lugar que tire a dignidade de um ser humano.
De minha parte, no 7 de setembro, comemorarei o desaniversário, afinal comemorar é lembrar, revisitar e inexoravelmente essa lembrança me causa náusea, desconforto e vergonha.